sexta-feira, 4 de janeiro de 2013
Combustão
"Você simplesmente mente com medo de omitir e isso me diverte".
Com estas palavras, Bianca colocou a garrafa de vodka sobre a mesinha ao lado do sofá e monto em meu colo. Afaguei-lhe os cabelos e inclinei a cabeça para beijá-la. Meti uma mão em sua coxa esquerda e a outra por dentro de sua camiseta vermelha do Dead Boys. Empurramos nossos corpos à caminho de uma colisão. Logo peças de roupa foram jogadas ao chão, cintos se encontraram devidamente desabotoados, hálitos rescenderam a álcool e tabaco e nos engolimos como se quisessemos entrar em combustão. As unhas dela percorreram minhas costas e meus braços enquanto eu lhe tocava entre as pernas. Ela me fitou com seus pequenos olhos carregados de rímel e disse: "Me fode até me dividir em duas".
Eu havia conhecido Bianca num boteco imundo que funcionava no quarteirão ao lado há dois meses atrás enquanto o DJ rolava It All Dies Anyway do The Gits. Ela usava um short jeans desbotado e uma blusa preta. Tinha o cabelo picotado e pintado de vermelho nas pontas e suas coxas grossas, brancas e rijas resplandeciam na escuridão do ambiente como duas pedras do Stonehenge. Ela era o tipo de mulher que ficava muito mais bonita triste. Possuía uma melancolia nada disfarçada debaixo daquela maquiagem carregada e isso era uma das poucas coisas que me interessava naquela época: pessoas tristes. Eu precisava ver que mais gente além de mim sofria, isso me deixava mais calmo.
- Acho que te vejo por aqui todas as vezes em que apareço. Você é viado ou só gosta de cerveja barata? - ela perguntou.
- Adoro cerveja. Barata ou não.
- Mas não gosta de viados?
- Nada contra. E você, por quê sempre vem aqui?
- Moro por perto. Naquele prédio ali. Sozinha.
Não vou contar sobre o resto da noite em que a conheci. É exatamente previsível como parece. Na semana seguinte nos reencontramos e eu a levei para minha casa. Assim que ela chegou reparou num convite de casamento ainda lacrado.
- Você não vai abrir, Gustavo?
- Não. Você tem isqueiro?
- Claro.
- Queima essa porra pra mim.
Ela abriu e leu em voz alta: - Carolina Bastos e Guilherme Santiago. Espera, ele é parente seu?
- Sim, meu irmão.
- Ah, então tá - falou enquanto incinerava o papel-cartão.
O fato de Bianca fazer poucas perguntas e deduzir demais me deixava confortável. Outra teria perguntado o motivo de não querer saber do casamento de meu próprio irmão. Guilherme e eu éramos completamente diferentes mas pouca coisa justificaria tamanho rancor. Naquele momento lembrei de quando estudávamos no Colégio Militar e eu batia em todos os moleques que resolviam mexer com ele. Eu fui criado especialmente pelo meu pai para aguentar porrada e revidar, Guilherme foi criado por mamãe como um bibeló por causa da saúde frágil, mas ele só tinha asma. Crescemos e virei advogado meio que sem querer e ele seguiu carreira militar. O inverso seria mais condizente com nossas maneiras de levar a vida caso eu não tivesse um ódio profundo pela vida na caserna.
Bianca morava naquele apartamento há apenas três meses, no mesmo andar onde minha agora cunhada morava. Imaginar que me relacionei com as duas é bem divertido. Carolina era a típica moça de família que não teria uma bela foto nas páginas sociais se casasse com um vira-lata como eu. Que tal um oficial fardado? Oh, com certeza seria algo mais próximo do que todos esperavam. Já Bianca não lia jornais, achava todos um desperdício de papel. Ela era uma garota com juízo. Depos dos advogados, os jornalistas são os piores seres humanos a pisar na terra. Claro, militares como meu irmão estão muito acima de qualquer comparação.
Quando Carolina terminou o namoro comigo porque "havia conhecido outra pessoa", que vejam só, era o meu próprio irmão, eu tinha certeza que não estava sendo o que ela esperava que eu fosse. Pelo menos eu nunca desci a porrada nela como o Guilherme faz, aquele tremendo covarde. Mas isso faz muito sentido: Carolina era o tipo de mulher que apanhava na cozinha, Bianca era aquela que apanhava na cama. Aos poucos a segunda foi tomando seu lugar na minha casa e eu não fiz qualquer resistência. Eu não tinha mais nenhum irmão para roubá-la de mim. O que mais me magoa é que a única vez em que dei um soco no meu irmão foi quando eu tinha uns doze anos de idade e ele nove. Tudo porque ele não revidou quando um garoto mais velho o humilhou na frente da menininha que ele gostava. Queria ter adiado este soco por uns vinte anos.
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