quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Faquir


Era umas oito da noite de um dia de semana quando eu pensei se iria beber ou não. Estava de férias mas ainda de ressaca da noite anterior. A garrafa de whiskey parecia me chamar repousada sobre a estante. Eu me sentia tonto, como uma árvore que estivesse sendo devorada por bestas desdes as raízes. Por quê não algumas doses? Antes de me servir da primeira delas eu me peguei pensando em você, Izabel. Bem, nos últimos dois anos eu me permiti cair num ciclo de relações fugazes e que pouco me exigiam, logo, seria divertido imaginar que ainda sofria por você. Às vezes me pergunto se me dei tempo suficiente para que isto acontecesse... Enfim, parecia uma ideia divertida, você não acha?


Eu tenho uma carta que está totalmente escrita na minha mente. Nunca a passarei para o papel. É que isto é completamente desnecessário agora. Mesmo que você sentasse aqui na poltrona me encarando eu nada diria. Eu também nada disse quando você se foi e não recebi agradecimento algum por isso. Comecei lembrando do quão fraca você era para a bebida e da maneira que seu corpo já se encontrava tépido quando eu te jogava com força na cama e fazia meus dedos perambularem por cada costura do seu vestido. Você me deixava completamente louco quando usava aquela meia-calça preta que eu te dei. Era uma sensação maravilhosa colocar a boca no espaço entre as suas coxas e tirá-la com os lábios. Em questão de tempo eu escalava seu corpo inteiro até chegar à boca, ao pescoço e ao colo. Enquanto te beijava com meu hálito rescendendo a gim, colocava minhas mãos em seus seios ainda por cima das suas roupas. Esses peitos pontudos que parecem ter sido esculpidos para caber exatamente nas palmas das minhas mãos como se a América do Sul e a África estivessem juntas em um só continente mais uma vez. O teu francesinho de merda faz isso também? Eu só o vi umas duas vezes na vida e os dedos dele em teus peitos agudos, firmes e sadios devem parecer tão pequenos quanto uma balsinha ancorada no porto de Xangai. Se ele faz isto, deve pedir com licença todas as vezes: "Excusez-moi, Izabel, je peux revenir sur ses mamelons?". Desculpe se estou parecendo rancoroso, mas por mais incrível que possa parecer, eu não o odeio. Apenas o queria morto. Pra ontem.

Dois dias depois de você ter partido eu olhei pro trabuco que guardo pendurado na parede aqui de casa e que pertencia ao meu tio Alfredo. Eu nunca atirei nem em lata de tinta a vida toda mas estava tão bêbado nesta noite que imaginei usá-lo pra estourar os miolos do Gustave. Em menos de um minuto desisti. Sua amiga Ana estava deitada aqui no sofá com um seio pra fora da blusa e aquela visão me fez esquecer um pouco essa estória. Até um homem como ele merecia uma morte mais digna. Agora você deve estar me achando um tremendo canalha por ter dormido com sua melhor amiga. Isso é algo bem típico de mulheres como você  e nem me incomoda tanto. Ter me trocado por um cara do outro lado do mundo que usa gola rolê e óculos de armação grossa é se aventurar. Por outro lado, eu dar uns belos amassos na sua amiga depois de você ter me descartado é algo sujo, grotesco, quase hediondo. Se a senhorita tivesse me trocado pelo Artur, que conheço desde o colegial, eu juro que não teria ficado tão puto. Porra, o Artur é do meu tamanho, um homem grande e com certeza a mão dele cobriria um peito seu. Aliás, você bem sabe que sempre fui vidrado em umas tetas e se você, Izabel, um dia souber que eu fodi a Ana, saiba que foi com ela não com o objetivo de te atingir mas única e exclusivamente por causa daqueles peitos formidáveis que ela tem. Vocês são mulheres, já devem ter trocado de roupa num mesmo cômodo e sei que já viu aquele par de vulcões estourando um sutiã. Tão grandes, bicudos e potentes que meus lábios e língua tiveram que fazer várias viagens de reconhecimento naquele imenso terreno.

Ah, esqueci de falar que ela é uma grande putinha safada. Eu queria muito dizer que após tudo isso acabei me apaixonando por ela e aí sim, diria tal coisa só pra te atingir, mas sei que ela não é pra mim. Eu ficaria obcecado e talvez eu a perdesse como te perdi. Coloquei mais um trago pra mim e acendi um cigarro. Sabe a Patrícia, aquela estagiária do jornal de quem você tinha ciúmes? Ela casou com o Artur há dois meses. Você sempre foi tão ingênua que colocou na cabeça que eu a desejava. Aquilo foi sério, Izabel? Patrícia era uma garota por quem eu jamais gastaria tempo. Não que ela não fosse atraente, mas eu tinha você quase morando aqui. E nesta época você sequer percebia como eu olhava para a minha vizinha estendendo roupa em seu quintal enquanto eu fingia cochilar na varanda... Não, nunca aconteceu nada demais, era apenas um vago exercício de imaginação que só virou uma hipótese real quando pensei em ir até sua casa chamá-la para uma ou duas bebidas e para ouvir meus discos pois eu sabia que ela também gostava de música. Isso foi quando você viajou pela primeira vez para a porra da França. Disse-me que a viagem duraria só duas semanas e acabou ficando lá por quanto tempo mesmo? Ah, uns seis meses. Pena que quando você voltou pra vender suas tralhas e me deixar ela já havia se mudado.

Eu tenho meia garrafa de uísque para lembrar de você, Izabel e amanhã tudo voltará ao normal pra mim. Eu queria te odiar porque assim me sentiria um pouco mais vivo do que agora quando estou sentindo absolutamente nada. Se um dia você resolver ligar pra mim, me mandar uma carta ou coisa parecida, promete que vai me falar que seus peitos ainda são os mesmos ainda que você tenha uns três filhos e um marido de boca mole? Eu acho que no fundo, foi a única lembrança que me sobrou. Eu gostei muito deles durante uma parte da minha vida mas hoje eu preferiria deitar minha cabeça sobre uma cama de faquir. Vou lembrar disso tudo só por hoje. Mil perdões se fui um pouco indelicado.

Seria melhor ter saído e comprado uma garrafa de gim. Estava com dinheiro mas teria escolhido o mais vagabundo.

P.S: A casa ao lado da minha ainda está sem morador.